domingo, 31 de maio de 2009

Um orgasmo cotidiano




Lancei a idéia despretensiosamente
Quase um pensamento solto
que me atravessou antes que pudesse contê-lo
“ BRIGADEIRO!”
Simples e gostoso

A provocação foi sua
Sabia que era golpe baixo
“ Ah... Derrete uns bombons de chocolate no meio pra pegar consistência
Passa na uva ou no morango
Como se fosse fondue...”


Foi a minha última gota de resistência
Antes de me entregar
Ao prazer quase devasso da fantasia
De sentir o chocolate morno
Nos lábios...
Na língua...
Na garganta...
Em mim.

Um êxtase de sensação
Ápice de prazer
Um orgasmo gastronômico

Não satisfeito
Mostrou suas garras novamente
“Foi bom pra você?
Ou posso aumentar o ritmo?”


Desprovida de qualquer lógica
ou senso estético
Tudo que a poética me permitiu balbuciar foi
“Manda ver”


Então veio a seqüencia...
“Uvas
Trufas
Sorvete
Pavê
Jujuba
Açúcar...”


Abandonei a cômoda passividade
E tomei parte no seu jogo
“Sonho
Paçoca
Brigadeiro
Quindim
Mousse
Torta alemã
De limão
De morango
Pavê de nozes...”


Vi no seu sorriso cínico
Que acertei o alvo
“Você é boa nisso”
Sorri satisfeita

De repente...
Na dinâmica das palavras...
No afã do momento...
“Lasanha!”
“Você quer mudar agora? É isso?”


Tentando manter o clima
Dei prosseguimento de onde paramos
“Salgadinho
Kibe assado
Pão de queijo
Patê de frango
Pizza..."


Abruptamente você parou
e eu não entendi nada
“perdi o ritmo”
“mas foi você quem mudou!"

Silêncio

"Esquece! Esfriei”
“hum... Mas frio também é gostoso...
Gelatina mosaico
Sorvete de morango...”
“desiste”
“Calma um pouco, a gente já volta”


Silêncio


“De novo?”
“Já lavei a louça e escovei os dentes”
“ Nossa! Vou pra cozinha sozinho então”
“ O sal de frutas está em cima da geladeira”


Quando foi que
o prazer do chocolate
se transformou em saudade
e hortelã?


(R.R.M.)


segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um perceber...




Saí de casa como faço todos os dias. O mesmo caminho, quase sempre as mesmas pessoas. E como faço todos os dias, esperei o bendito ônibus no sol... Por minutos eternos a fio. Num de meus rompantes de impaciência (ou mau costume mesmo, como preferir) enrolei pela enésima vez, desde que ali cheguei, meu cabelo e percebi alguns fios enrolados em meus dedos. Soltei-os na brisa leve (leve demais num sol de meio-dia) e observei-os planar até que um ou outro caiu no asfalto, e alguns colaram-se à roupa de alguns passantes. Pela primeira vez, dei-me conta do significado daquilo. Meu DNA, o que me forma, meu todo em uma pequena parte de mim era agora parte da vestimenta de um estranho. Para onde será que ele me levaria? Afinal, ali, naquele fio fino de cabelo, também estava eu. Comecei a pensar então em como deixo partes de mim em tudo. Minhas digitais se espalham por tudo que eu toco e do jeito que eu sou desastrada, não posso dizer que seja pouca coisa! Minha epiderme marca, de células minhas, abraços, encontrões, beliscões, topadas... contatos pequenos... que me disseminam pelo mundo e já não dou conta mais da minha extensão... Posso estar em tantos lugares e mesmo aqui trago comigo tantos (des)conhecidos... Já não bastassem meus microfragmentos espalhados por aí, pensei ainda no que componho de outros modos. Um sorriso que faz parte de uma lembrança distante na memória de alguém... Uma colocação que por algum motivo já fez alguém pensar... a voz que canta a canção que fica... meu gosto na boca e na memória de pessoas que também deixaram seus gostos na minha memória... e as palavras... que entre um verso e outro carregam todo um “DNA do meu sentir” a cada vez que me coloco a escrever... Percebi de verdade e me assustei com a dimensão física e não física de mim. Finalmente compreendi melhor... e literalmente... que eu componho o mundo que me compõe...que existirei enquanto houver um pedacinho, ainda que ínfimo, meu em algum lugar. Talvez planando no vento, ou colado à roupa de um estranho... quem sabe na marca da carícia ou do tapa. E quando todos eles finalmente se extinguirem, me farei presente, eternamente, na memória daqueles que também compus.

Do que já não me satisfaz


Escrever

ponte de ligação

entre muros

entre Almas

entre mundos.


Mas o que acontece

quando rompem-se

desaparecem

os alicerces do meu criar?


Alicerces sintásicos

semânticos

metafóricos

que pareceram simplesmente ruir

bem no meio de uma travessia importante.


Palavras já não sustentam

o peso do que me habita

Dissolvem-se

Desfazem-se

Fragmentam-se

e a brisa suave que vem de dentro

como um vendaval

as leva para tão longe.


Por hora

descanso olhando a beleza triste

das ruínas do que outora fora magno


Outros tempos virão

Novos vocábulos emergirão

E na fluidez sutil do que é meu

(re) construo meus pilares.


(R.R.M.)


sábado, 23 de maio de 2009

De mim

Tenhos pés pequenos
e raízes profundas.
Cuidado com o vento que provocas.


(R.R.M.)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Nem aqui, nem alí... Nem em todo o universo


Por agora

esse é meu novo endereço.

(R.R.M.)

domingo, 17 de maio de 2009

Meu caminhar


A cada passo
um pensamento


A cada pensamento
Um novo passo

E a promessa
de não mais pensar.


(R.R.M)


quarta-feira, 13 de maio de 2009

Labirinto


Me percebo na bifurcação
pela direita, o ódio de te ver denovo
pela esquerda, a lembrança e o desejo.

Por mais que eu insista
em continuar à direita
logo na frente os caminhos se confundem
e me pego mais uma vez na bifurcação
pela direita, eu não preciso de você
pela esquerda, eu quero você denovo

Mas que inferno!
E pego o caminho errado denovo

e denovo
e denovo
e denovo...

E me envolvo
me embaraço
me perco
me acho
me machuco
me reergo
e continuo

Sempre
a me perder
entre paredes
e portas
que se abrem e se fecham
e me empurram
e me convidam
que me cercam
E me exigem

E o que eu faço?
me envolvo
me embaraço
me perco
me acho
me machuco
me reergo
e continuo


Quem sabe assim
nossas opções se encontrem
e finalmente confluam
ao próximo labirinto
de mãos
bocas
olhos
línguas
pernas
peitos
promessas
entregas
carícias
sorrisos
e lembranças

Onde finalmente nos perderemos
sem volta
em nós.
(R.R.M.)

domingo, 10 de maio de 2009

Sinestesia




Vejo o gosto do seu perfume

Toco o odor do seu ciúme

Ouço a cor dos seus pecados

Cheiro a lembrança dos seus recados

Saboreio o som da minha saudade

enquanto ouço os sabores sólidos da cidade.

Nas coloridas vivências incolores

(re)vivo a angústia de perfumes inodores.



(R.R.M.)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Prazer masoquista


Foi quando o copo acertou o espelho
que senti
a vontade que fosse você



Ver a sua cara despedaçada
em milhões de pedacinhos
sem conserto
me deu prazer



Eu quis
que o perfume que escorre agora na parede
fosse seu sangue



que a almofada que jaz
aos pés da cama
fosse seu corpo



que cada lágrima minha
derramada por sua culpa
fosse uma gota de veneno
corrompendo a sua Alma



Eu quis
delirantemente
destruir
cada traço
cada vestígio
cada nuance sua



E foi assim que me desfiz
de mim

(R.R.M.)