segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Esquadros (meus) - Adriana Calcanhoto (e eu)


Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

(Tons de Marias
Semitons de Robertos
Sombras de Amélias
Luzes de Pedros
Cores de Vida
coloridas na experiência de viver.)

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

( As vezes sou bem sucedida
As vezes parece que insisto na tarefa árdua
pelo prazer masoquista de me frustrar
Mas a ânsia de controlar
de contar
de vigiar, filtrar,preparar
planejar
é grande demais.
Quem suporta a espontaneidade da surpresa?)

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

(Viver se tornou tão banal.
Será mesmo?!
É Vida esse arrastar de horas
dias
meses
anos?
O riso é o mesmo
As lágrimas também
O olhar já não olha mais
As imagens se fixaram
nos olhos
nos pensamentos
nos atos
nos sentimentos.)

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

(Pela janela da mente
pela janela dos olhos
pela janela da alma...
Quem sou eu?
Que no desvario de me dar forma
me dei limites
E me prendi nos muros
que eu mesma construí.
Mesmos muros que salto toda noite
pra me espalhar
me fragmentar
me dispersar e desprender
me desfazer por aí.
Nesse regime espartano e ditador
não sigo à risca nem o dito a mim mesma.)

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

(Eu também vivo correndo
Por que?
Pra que?
Por quem?
Pra onde?
Perdi de vista onde queria chegar
quando comecei a andar
E penso que só vou me lembrar
quando voltar a caminhar
Chega de fugir
de um monstro que é meu
Meu monstro sou eu
E é nele que me mostro.)

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

(Encaixo e desencaixo
procurando o encaixe perfeito.
É impressão minha,
ou em todos os meus quebra-cabeças
falta, pelo menos, uma peça?)

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

(Testemunho a efemeridade
Pessoas cruzam o meu caminho
e eu modifico-lhes a existência
No bater de asas de uma borboleta.
E a minha existência?
Quem modifica, senão eu mesma?
Segunda, terça, quarta
-não tem ninguém aqui -
Quinta, sexta, sábado
-nada mudou -
Domingo
-Eu mudei, ME mudei -
Segunda, terça, quarta
-não tem ninguém aqui ...)

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

(Enquadro um mundo que não me enquadra
Que não me cabe
Eu sou a peça que falta.)

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

(Será que é aqui que você se encaixa?)

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

(E foi na tentativa de me encaixar,
de fazer caber nas margens rígidas
que me descobri inútil.
E como seria diferente se quis pôr em uma peça
todo um novo quebra-cabeças, tão ou mais complexo que o que eu queria completar?)



(Adriana Calcanhoto - Esquadros - Em negrito; R.R.M. - em itálico)




Um comentário:

Lucas Lima disse...

bonito, gosto muito dessa música, ela tem uma linha enquadrada de maneira única, rs, boa explanação sua tmb, se encaixou como uma luva, rs
Bons Dias